A doença hepática gordurosa não alcóolica e a interferência do uso de probióticos

Leonardo Recena Aydos

Aluno da pós-graduação da Plenitude Educação

@nutricionistaleonardo

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é um termo abrangente que engloba um espectro de condições que acometem o fígado. O estágio inicial é denominado esteatose hepática e é estabelecido quando há acúmulo de gordura em área igual ou superior a 5% da área total do fígado, sem a presença concomitante de doenças que acometem o órgão, utilização de medicações esteatogênicas ou a utilização crônica de álcool.

Com a progressão da doença, pode ocorrer um quadro conhecido como esteatohepatite não alcoólica (NASH, em inglês) onde, além do acúmulo de gordura, há também inflamação e lesão aos hepatócitos. Quando não tratada, essa condição pode evoluir para fibrose hepática, quadro em que as células hepáticas começam a produzir matriz extracelular fibrótica, ou seja, o tecido começa a cicatrizar, levando ao início da perda de função do órgão. Vale destacar que esse quadro ainda é parcialmente reversível.

Com avanço da cicatrização do órgão instala-se o quadro de cirrose hepática. Neste estágio, a fibrose está pronunciada levando a formação de nódulos hepáticos, com alteração da função lobular do órgão, quadro que é pouco reversível. O último estágio, por sua vez, é o carcinoma hepático, em que o único tratamento pode ser o transplante hepático.

Microbiota intestinal e doença hepática gordurosa não alcoólica

Diversos experimentos em camundongos já demonstraram que alterações na microbiota intestinal podem acarretar o surgimento de DHGNA. Entretanto, é preciso cuidado ao extrapolar os resultados desses achados, já que a composição da microbiota de seres humanos difere substancialmente da dos camundongos, além da diferente arquitetura do trato digestivo.

Por mais que alguns modelos animais utilizem métodos de indução da DHGNA que são completamente diferentes da gênese da doença em humanos, como a DHGNA induzida pelo modelo de camundongos deficientes em colina, outros se aproximam mais da realidade como a DHGNA induzida por dieta hiperlipídica. Também já foi demonstrado que o transplante de microbiota fecal de mulheres com DHGNA para camundongos com dieta padrão, foi capaz de aumentar os triglicerídeos hepáticos após 14 dias. Portanto, apesar das limitações, os modelos animais nos indicam que, de fato, a microbiota intestinal exerce influência no surgimento e progressão da DHGNA.

Diversos mecanismos podem ligar a microbiota com a DHGNA. O aumento da permeabilidade intestinal e a consequente passagem de LPS derivados das bactérias intestinais para corrente sanguínea é um destes. Os LPS derivados da microbiota podem contribuir para inflamação do tecido adiposo e também, ao serem interceptados por receptores do tipo toll 4 (TLR4) nas células estreladas hepáticas, podem induzir a produção de matriz extracelular fibrótica, ou seja, contribuir para fibrose do órgão.

Outro mecanismo é a produção de etanol pelas bactérias intestinais. Estudos já demonstraram que alguns pacientes com DHGNA apresentavam maiores concentrações de etanol na respiração, mesmo sem a ingestão de álcool.

Muito se fala sobre a influência das fibras fermentáveis na microbiota intestinal. Ao serem fermentadas, elas podem gerar ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) como butirato, acetato e propionato, mecanismo que muitas vezes pensamos ser unicamente benéfico. Mas, a máxima de que fibras são benéficas para microbiota intestinal pode não ser sempre válida para pacientes com DHGNA. 

Estudos animais já demonstraram que os AGCC produzidos pela microbiota intestinal a partir de fibras podem ser interessantes, devido ao fato de que maiores concentrações de AGCC, ao ativarem o receptor 43 acoplado à proteína G (GPR43), podem estimular uma resposta anti-inflamatória.

Em 2019, foi publicado um estudo no European Journal of Nutrition que demonstrou que a suplementação de oligofrutose (8 g/dia por 12 semanas seguido de 16 g/dia por 24 semanas), foi capaz de reduzir o score de gordura hepática aferido por biópsia hepática, independente da perda de peso ou alterações no estilo de vida. A suplementação ocasionou alterações possivelmente benéficas na microbiota dos indivíduos ao aumentar a quantidade de bifidobactérias e reduzir as bactérias do cluster Clostridium.

Portanto, embora pesquisas demonstrem que os frutanos, do tipo inulina, potencialmente possam melhorar o sistema digestivo, a síndrome metabólica, o sistema imunológico, doença inflamatórias e prevenir contra infecções e câncer, quando se trata do tratamento da DHGNA, ainda são necessários mais ensaios clínicos. No momento, devemos nos atentar às doses e à individualidade com que cada paciente irá responder ao tratamento.

Tratamento da DHGNA

Outra opção que pode contribuir para a melhora da DHGNA é a suplementação de vitamina E. Em uma meta-análise publicada em 2016 na revista Medice, a vitamina E demonstrou nível de evidência alto para melhora da NASH, da esteatose hepática, do score de gordura no fígado e do balonismo hepatocelular8. Duas meta-análises de 2020 corroboram com esses achados e concluem que a vitamina E é uma opção de tratamento para pacientes adultos com DHGNA, especialmente para aqueles com NASH. Os estudos geralmente utilizam doses de cerca de 800 UI/dia, já o tempo de tratamento varia de 3 meses a até 4 anos.

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Em relação aos prebióticos no tratamento da DHGNA, uma meta análise de 2018 publicada na Nutrition Reviews demonstrou efeitos favoráveis na redução da AST, ALT, GGT, triglicerídeos e IMC. Mas não foi encontrada diferença estatística para os níveis de proteína C-reativa (PCR) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)11. Os estudos clínicos randomizados controlados utilizados nessa meta-análise incluíam o efeito dos prebióticos: fibra de Cassia tora, frutoligossacarídeos, Psyllium husk, xilooligossacarídeos, cereais contendo beta-glucana e inulina de chicória enriquecida com oligofrutose.

Com relação aos probióticos e simbióticos, uma meta-análise publicada em 2019 no The American Journal of Clinical Nutrition demonstrou que a terapia com probióticos ou simbióticos foi capaz de reduzir a esteatose hepática aferida por ultrassonografia, além de reduzir os níveis séricos de ALT. Corroborando com esses resultados, uma meta-análise também de 2019 publicada no European Journal of Gastroenterology & Hepatology mostrou reduções estatisticamente significativas nos níveis das enzimas hepáticas e de PCR. Com relação ao TNF-α, somente o grupo dos simbióticos apresentou redução significativa.

As cepas probióticas mais comumente utilizadas nos estudos que administraram probióticos foram: Lactobacillus casei, Streptococcus thermophilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium longum. Já os estudos com simbióticos utilizaram em sua maioria estas mesmas cepas, porém, com a adição de frutooligossacarídeos.

Além desses exemplos supracitados, diversos compostos isolados como a curcumina, o resveretrol e a quercetina, e produtos naturais como iogurte, farinha de linhaça marrom, uvas, chá verde, suco de laranja, hibisco, Aloe vera, Wild bitter melon, berberina e alguns ácidos graxos poli-insaturados também podem ser utilizados como adjuvantes ao tratamento

Vale ressaltar que não existe nenhum medicamento aprovado pela FDA ou ANVISA para controle da DHGNA. A indicação é, exclusivamente, a mudança no estilo de vida. Nesse sentido, uma abordagem integrativa da nutrição é o fator chave em um tratamento bem sucedido.

Quer saber mais sobre o assunto? Acesse:

Artigo 1

Artigo 2

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