Embora a maioria dos estudos que testam intervenções para obesidade se concentre no peso corporal, o excesso de gordura é considerado responsável pela maioria dos riscos associados à obesidade, e está relacionado ao aumento da mortalidade, independentemente do índice de massa corporal (IMC). A adiposidade contribui para a perda de massa e função musculares, uma vez que a sarcopenia aumenta a resistência à insulina, um fenótipo denominado “obesidade sarcopênica”. Portanto, o benefício da restrição energética pode ser limitado pela perda de massa corporal magra.
Nos homens, a obesidade é o fator mais importante associado à baixa testosterona, o que anula os efeitos da idade e comorbidades. Homens obesos têm níveis 30% inferiores de testosterona total (TT) em comparação com homens magros, e 40% têm níveis inferiores a 12 nmol/L, o limite inferior relatado para homens jovens saudáveis. Essa redução nos níveis totais de testosterona é em parte devido à diminuição na globulina de ligação ao hormônio sexual (SHBG-sexual hormone binding globuline) que está diretamente associada à obesidade. A SHBG é uma glicoproteína que tem como uma de suas funções, regular o transporte de hormônios sexuais como a testosterona e o estrogênio, uma vez que ambos são moléculas lipofílicas e, contudo, têm sua solubilidade no sangue afetada. Sendo assim, a SHBG pressupõe o quanto de hormônio estará livre para atuação nos tecidos corporais, uma espécie de conformação exigida para os eventos farmacológicos em questão. Indivíduos obesos produzem mais SHBG, e especialmente com a obesidade mais acentuada, os níveis de testosterona livre (TL) também são reduzidos devido à supressão do eixo gonadal associado à adiposidade no nível hipotalâmico.
Embora os mecanismos exatos não sejam totalmente compreendidos, estudos experimentais em humanos sugerem que adipocinas derivadas de gordura e mediadores pró-inflamatórios podem desempenhar um papel na supressão do eixo gonadal central. Além disso, evidências pré-clínicas demonstraram que a deficiência de testosterona promove o acúmulo de tecido adiposo, mas reduz a miogênese por meio de uma via mediada pelo receptor de andrógeno. Essa relação bidirecional entre redução da testosterona e obesidade é apoiada por estudos clínicos, e a perda de peso aumenta proporcionalmente os níveis de testosterona, assim como o tratamento com testosterona pode reduzir a gordura corporal. Porém, não se sabe ao certo se o tratamento clínico com testosterona aumenta o aditivo da perda de gordura para restrição calórica ou previne a perda de massa muscular associada à dieta.
A farmacologia da ação da testosterona no músculo esquelético envolve vias distintas que direcionam efeitos neuroimunoendócrinos em motoneurônios, além da sinalização da proliferação, diferenciação e do metabolismo proteico desde o mionúcelo até células satélites, bem como ações em células precursoras pluripotentes. Desta maneira, os efeitos da ação androgênica no músculo associam as respostas genômicas (acima de 10 minutos) e não-genômicas, estas últimas exemplificadas pelo aumento da concentração intracelular de cálcio no retículo sarcoplasmático. Todos esses eventos celulares fazem da testosterona um importante hormônio para a saúde músculo-esquelética por mecanismos tanto anabólicos como anticatabólicos, uma vez que hormônios androgênicos podem inibir a via de degradação muscular mediada por miostatina.
A discussão a respeito da intervenção terapêutica na obesidade, na qual a testosterona é uma das grandes moléculas protagonistas, tem aumentado a inclusão do uso de hormônios androgênicos e seus derivados em protocolos de tratamentos médicos. Cada vez se torna mais frequente o relato em consultório de que pacientes estão fazendo uso de testosterona, e desta forma, os protocolos dietoterápicos e de treinamento físico não devem estar subjacentes a esse evento. Para reforçar a importância dessa correlação, um estudo randomizado, duplo-cego, placebo controlado (NCT01616732) publicado por pesquisadores do Departamento de Endocrinologia da Universidade Melborne vale a pena ser contextualizado. Esse estudo evidenciou que, entre homens obesos com baixos níveis de testosterona e que foram submetidos a um programa de perda de peso, o tratamento com o hormônio diminuiu a massa gorda total e o tecido adiposo visceral, além de protegê-los contra a perda de massa magra. Os voluntários receberam 1000 mg de undecanoato de testosterona, uma preparação de éster de cadeia longa que fornece ao sangue uma liberação prolongada do hormônio por várias semanas. As doses foram intervaladas entre 10 semanas durante o período de um ano, na garantia de que níveis mínimos terapêuticos de testosterona estivessem entre 10-15 nmol/L. Os participantes foram instruídos a seguir uma dieta com restrição calórica nas 46 semanas do estudo, além de serem aconselhados a realizar pelo menos 30 minutos de exercícios de intensidade moderada todos os dias. Durante as semanas de 1 a 9, as refeições diárias ofertaram restritamente 640 kcal/dia, e após 10 semanas, uma dieta no valor de 1350 kcal/d foi implementada até o término do estudo. No final da fase inicial de alta restrição energética, enquanto houve perda nas quantidades substanciais de peso semelhantes aos estudos anteriores, não houve diferenças na perda de peso ou alterações na composição corporal entre os dois grupos. No entanto, surgiram diferenças na fase de manutenção do peso, durante a qual os homens que receberam testosterona mantiveram a perda de peso (P = 0,62), enquanto houve recuperação marginal do peso no grupo placebo (P = 0,06). No final do estudo, houve diferenças marcantes na composição corporal entre os grupos, e os homens que receberam testosterona apresentaram maiores reduções de massa gorda (-2,9 kg) e área visceral de gordura (-2678 mm2) em comparação ao placebo. Após a fase de alta restrição, os homens que receberam testosterona recuperaram massa magra (3,3 kg, P <0,001) em contraste com o placebo (0,8 kg, P = 0,29), de modo que, no final do estudo, a massa magra era 3,4 kg mais alta nos pacientes tratados com testosterona. No geral, os resultados indicam que, comparado aos homens não tratados, o tratamento com testosterona transferiu essa perda de peso para quase exclusivamente em função da perda de massa gorda. Embora se possa esperar que os efeitos do tratamento com testosterona sejam atenuados no contexto de um rigoroso programa de perda de peso, a redução da massa gorda observada neste estudo, se compara favoravelmente com a redução relatada nas metanálises de ensaios clínicos randomizados anteriormente.
Diferentemente do que encontramos em estudos clínicos em mulheres, o tratamento com testosterona em homens obesos reduz significativamente a gordura visceral. Ensaios clínicos que demonstram esse efeito sobre o metabolismo energético estão cada vez mais sendo evidenciados, embora muitos deles de fato não incorporem um programa de perda de peso, e por isso não encontram uma redução consistente na gordura visceral, fato devido também provavelmente ao pequeno tamanho dos ensaios, uso da testosterona pela vira oral (o que dificulta a manutenção plasmática da droga), ou metodologia menos precisa para quantificar tecido adiposo visceral. Também é importante lembrarmos, que a perda de peso por si só, tem efeito metabólico favorável aos aumentos dos níveis endógenos de testosterona. Por isso, projeta-se que um aumento de 3 nmol/L na TT e cerca de 30 pmol/L na TL, com 10% de perda de peso esteja presente em dietas hipocalóricas, e por isso, o aumento endógeno da testosterona após a dieta parece não ser suficiente para evitar a perda de massa magra associada à dieta. O mais interessante é o fato de que nessas doses, os efeitos colaterais observados pelo uso crônico da testosterona não são relevantes quando comparados à morbidade e mortalidade associados à obesidade.
Considerações finais
Para finalizar, nada como voltar aos velhos ensinamentos metabolômicos que continuam a indagar-nos sobre os mecanismos potenciais pelos quais o tratamento com testosterona leva a essas mudanças na composição corporal. A testosterona, via sinalização do receptor de andrógeno, inibe a diferenciação de células-tronco em adipócitos e favorece a miogênese. Além disso, a sinalização do receptor androgênico em adipócitos maduros promove lipólise e pode ativar as vias anabólicas nos miócitos. Somado a estes dois efeitos supracitados, o efeito na massa gorda também pode ser mediado pela aromatização ao estradiol. A testosterona também pode ter efeitos motivacionais, levando ao aumento da atividade física, e o tratamento à base desse hormônio, está associado à redução da fadiga, inércia e da saúde sexual. Esses mesmos estudos são claros em demonstrar que níveis de atividade aumentados e as alterações observadas na composição corporal, foram alcançados em homens tratados com testosterona, mas não com o placebo. Por isso, programas de exercícios supervisionados podem promover a perda de massa gorda e atenuar a perda de massa muscular durante a perda de peso, mas são menos eficazes do que a restrição calórica para alcançar a perda de peso. Dessa forma, estamos cada vez mais confortáveis em assumir clinicamente que entre homens obesos com níveis baixos de hormônios andrógenos, o tratamento com testosterona pode aumentar a perda da massa total de gordura e gordura visceral induzida pela dieta, assim como preservar a massa magra.
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